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VI.

por Neurótika Webb, em 23.07.15

Hoje decidiram separar-nos de vez.

Passei por ela no pátio central e ignorei-a. Sabe Deus que foi como se me arrancassem o coração, mas ela tem que aprender. Se continua assim, ficaremos fechadas neste inferno para sempre.

Mas o que é que ela acha que me fazem de cada vez que me levam? É certo que nunca falei nisso, para a proteger de certa forma, não sei se estou errada. Não sei se ela aguentaria saber de antemão o horror que a espera. Dizem que é um tratamento revolucionário, sou submersa em água gelada durante oito horas por dia, dizem que somos esquizofrénicas, que se isto não resultar vão experimentar os electrochoques nela. Nem quero pensar…

É por ela que aguento esta tortura, por ela, para ela não ter que passar por isto.

Aquele temperamento indomável, tão rebelde como os cabelos louros encaracolados, que apesar de penteados e alisados todos os dias, parece que têm vontade própria.

A sua incapacidade de estar calada, e foi essa incapacidade que nos atirou para aqui.

Mesmo mais velhas, mesmo depois de termos jurado que as nossas visões eram só nossas, é mais forte que ela, fala sempre sem pensar!

Como naquele dia, naquele final de Novembro, em que a tia Anastácia, depois de uma doença prolongada, melhorou e toda a família foi visitá-la.

Estávamos juntas, de mãos dadas junto à janela, quando o padre cura entrou no quarto para lhe desejar as melhoras, depois de já lhe ter dado a extrema unção.

Pegou-lhe nas mãos e beijou-as, “Como está a nossa mais devota aldeã? As nossas preces foram atendidas!”, e olhou para a família em redor da cama.

Quando por breves segundos os seus olhos se cruzaram com os meus, apertei-lhe a mão com força, de tal modo que ficou branca, sem sangue entre os meus dedos. Ela olhou-me e viu o meu olhar de terror.

Vi o padre, vi-o a acariciar um jovem rapaz, a beijá-lo nos lábios, a debruçá-lo sobre o altar, a possuí-lo, o rapaz a rebelar-se, a garganta do rapaz a rasgar-se sob a lâmina, o sangue a jorrar sobre o chão da capela, o padre a cavar uma sepultura sob o carvalho grande na ponta do cemitério, o rapaz, que desaparecera há 8 anos, sepultado para sempre, incógnito numa campa rasa.

O padre voltou a falar, “A nossa Dona Anastácia vai durar mais uma década, vão ver!”.

E ela disse, lentamente, como que em êxtase:

“No Natal ela já não estará entre nós. O mal que ela tem é na barriga, e vai esvair-se em sangue.”

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publicado às 15:00


3 diagnósticos

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De Cris a 07.08.2015 às 06:10

É complicado para as pikenas...
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De Me, myself and I a 13.08.2015 às 11:35

Vocês são fantásticas. É incrível como nos prendem neste enredo! Parabéns!
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De Neurótika Webb a 13.08.2015 às 11:43

atenção que hoje vão ser publicados os episódios todos...e retomamos em Setembro.

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