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IV.

por Neurótika Webb, em 16.07.15

 Tudo começou com a chegada da Maria Adélia, a nova criada de servir, não que ela tivesse a ver com o início dos acontecimentos, ou sequer com o seu desenrolar, foi meramente um acaso do destino.

Nessa manhã, saltámos cedo da cama, num frenesim pela chegada de um novo elemento à casa, um acontecimento extraordinário nas nossas monótonas vidas no campo.

Descemos a escada a correr, entrámos de rompante na cozinha, mas fomos agarradas pelos vestidos por duas fortes e gordas mãos da Lucinda, a velha cozinheira, que foi ama da nossa mãe. “Onde é que as meninas pensam que vão?”,  perguntou com um ar zangado, mas em tom de brincadeira, “Vamos ver a criada nova.”, respondi eu ainda ofegante da correria, “Vão lá dar os bons dias, mas não a interrompam, que ela está a fazer a massa do pão para amanhã!”.

Deslizámos por entre a azáfama das criadas até à mesa do canto, onde elas faziam as massas, do pão, dos bolos, das broas, e o ar já cheirava ao pão acabado de cozer, que o António tinha trazido do forno umas horas antes.

A Maria Adélia era uma moça franzina, mas enérgica, e amassava vigorosamente a massa que de seguida ia ser posta a levedar ao pé da lareira. O suor escorria-lhe pelas faces em direcção ao peito desnudo e que ela limpava sempre que podia, com a manga da camisa de cambraia, apesar de ser uma manhã fria de Outono.

Sentindo a nossa presença, a Maria Adélia levantou os olhos na nossa direcção, e cumprimentou-nos com um sotaque carregado de quem foi nascida e criada na serra.

- Ah, são as meninas não são? Ouvi falar muito de vocemecês.

Ficámos as duas caladas, não por vergonha, mas como se tivéssemos entrado em transe. Eu fui a primeira a falar.

- Láudano.

- O quê menina?

- Mataste o teu bebé com láudano.

A sua face ficou branca como a farinha que lhe cobria as mãos.

- Eu sei que não fizeste por mal, foi só para ele parar de chorar, mas estavas cansada e deste-lhe mais do que devias…e ele morreu.

A Maria Adélia soltou um grito mudo, como se lhe estivesse a faltar o ar.

Então ela falou.

- Mas vais ter mais cinco filhos de um homem que anda de terra em terra a vender verduras, três vão morrer, mas os outros dois não, vão ser homens fortes. E vais ficar gorda como a Lucinda!

Soltámos uma gargalhada e saímos a correr, deixando a pobre Maria Adélia estupefacta e a tremer.

Esse foi o primeiro e último dia que a vimos. Arrumou a trouxa com os seus parcos pertences e fugiu na madrugada seguinte, depois de uma acalorada discussão com a Lucinda, dizendo aos berros que havia bruxedo naquela casa.

 

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publicado às 15:00


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